CHARUTOS E VINHOS


Charutos e vinhos? Não é a primeira bebida que vem a mente de um apreciador de charuto, exceto em vinhos de sobremesa/fortificados ou quando muito, o universo dos espumantes.

Na mente de todo apreciador de um bom tabaco, logo vem em mente a principal (e prazerosa) dúvida do que pode acompanhar seu charuto. Formato, tamanho de bitola, estilo do produtor, região de produção e até mesmo o tempo de guarda do charuto no umidor particular exercem grandes influências sobre a sua apreciação. Ter uma bebida que possa ir bem em diversas circunstâncias como essa pede que haja parcimônia na escolha.

O tema dessa coluna e outras que logo virão nas próximas edições abordará a difícil tarefa de harmonizar distintos mundos (embora convivam paralelamente) na mente dos connaisseurs.

Para ajudar a acabar com essa dúvida, o Caruso Journal convidou o respeitado sommelier de vinhos Aldo Assada, vencedor do prêmio “Sommelier do Ano de 2013” pela revista Prazeres da Mesa, e o associado e grande connaisseur de charutos e vinhos, Cláudio Haase.

Por que essa coluna?

A origem e o desenvolvimento dessa matéria deu se quando nós observamos diariamente as mesas da Caruso: o despertar de nossa curiosidade aparecia quando notávamos frequentemente as disparidades das bebidas servidas nas mesas da casa; muitos clientes optavam por bons destilados e cafés para acompanhar. Outros, porém, na mesa repousavam garrafas de vinhos na mesa que fugiam completamente das regras básicas de harmonização de charutos e vinhos como por exemplo um Malbec argentino com 8 meses de barrica de carvalho para acompanhar um Hoyo de Monterrey Double Corona ou um Brunello di Montalcino de estilo tradicional para acompanhar um Montecristo Edmundo.

Instigado por tais harmonizações, decidimos provar para compreender como funciona o “fugir a regra”. Nesta e nas colunas futuras, teremos sempre a participação de um convidado para haver o voto Minerva. Para este convidamos o Edson Júnior, Epicure-Sommelier da Tabacaria Caruso. Selecionamos previamente 3 tintos secos abaixo dos R$ 100,00 sendo dois portugueses da famosa Quinta da Bacalhôa e um italiano da Sicília, Barone Montalto Passivento 2017. O critério de escolha para esta edição foi o charuto mais vendido da Caruso: Partagas Serie D No.4 (50 x 124 mm)

Primeiro Tinto

Quinta da Bacalhôa Private Selection Meia Pipa 2015 (Península de Setúbal – Portugal)

Amadurecido por 8 meses em carvalhos franceses de segundo e terceiro uso, este é um blend de variedades Castelão (ou popularmente conhecido no Brasil como Periquita) e Syrah. Aromaticamente ele é limpo e possui apenas um traço oxidativo mas isto deve pertencer ao estilo dele. Não possui nenhuma grande complexidade aromática. Em boca tem médio corpo, um final curto junto com uma certa adstringência. A sensação de fruta em boca também parece apagado, o que nos faz crer que o vinho já encontra-se em declínio.

Com o charuto, ficou evidente que não havia casamento entre eles: o vinho tinha a tendência em ficar com gosto avinagrado e o charuto perdeu todas as suas qualidades aromáticas restando apenas a sensação de que havíamos “comido” as cinzas do charuto.

Segundo tinto

Quinta da Bacalhôa Monte das Ânforas 2016 (Alentejo – Portugal)

Blend de Aragonez (Tempranillo) e Trincadeira, sem passagem em madeira. Em nariz evocava frutos vermelhos e um toque de chocolate em média baixa intensidade. Em boca apresentou acidez média e corpo médio baixo. Notamos que a adstringência sobressaiu completamente sobre a fruta. Na harmonização, não houveram votos a favor: na primeira baforada, veio uma intensa onda de amargor em fim de boca onde impossibilitou a continuação da harmonização.

 

Terceiro tinto

Barone Montalto Passivento 2017 Rosso Terre Siciliane (Sicília – Itália)

Variedade Nero d’Avola 100% através de método da própria vinícola de passificação do bago que começa no vinhedo e até a área de ventilação dentro da cantina, num método relativamente similar ao appassimento feito no Vêneto. Com este tipo de técnica espera-se emular algo próximo de um Amarone della Valpolicella ou Valpolicella Ripasso, o que não se confirmou na degustação: esperava-se que a técnica empregada deixaria o vinho mais encorpado, volumoso em boca porém isso não funcionou no vinho e menos ainda na harmonização.

Aromaticamente possui uma intensidade maior que os vinhos anteriores. Entretanto, a ausência do esperado corpo do vinho frustrou tais expectativas e perspectivas dos participantes, principalmente quando provado com o D4; se saiu melhor do que os vinhos anteriores mas não é parâmetro para substituir um Amarone della Valpolicella. Porém a tendência de aumento na sensação de amargor em boca subia exponencialmente e se tornava mais evidente ao chegar próximo do segundo terço do charuto.

Afinal, com qual tinto seco funcionaria?

Sempre que vamos ao Caruso Lounge, optamos por beber o vinho primeiro e em seguida degustar o charuto. Desta maneira acreditamos que é possível tirar o melhor dos dois elementos e criar uma harmonia entre eles. Como citado em vários momentos do texto, o emblemático vinho tinto do Vêneto: Amarone della Valpolicella, possui uma graduação alcoólica acima da média e além de outras particularidades que serão vistas na próxima edição do Jornal Caruso.

Depois dessa degustação, colocamos ainda dois vinhos espumantes para entendermos como as borbulhas se saem: um Raventós i Blanc Blanc des Blancs 2015 feito em Penedés na Espanha e um Dom Pérignon 2006 que surpreendentemente funcionaram muito bem.Será o mundo dos espumantes uma alternativa futura?
Agradecimento especial às importadoras Portus e Grand Cru por cederem gentilmente as garrafas para esta degustação.

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