JOCHY BRANCO: UM CIGAR MAKER MODERNO


O produtor já está na quarta geração de centenária família de fabricantes de charutos – POR ANDRÉ CARUSO E ANDRÉ MILCHTEIN

A Tabacalera Palma sempre foi famosíssima por produzir folhas de
alta qualidade e charutos para outras empresas, mas, era pouco
conhecida junto ao público. Em meados dos anos oitenta, José
Arnaldo Blanco III, “Jochy”, como é chamado por seus amigos, ingressou
no negócio da família e, desde então, busca se aproximar dos apreciadores
de charutos. Após passar décadas como um dos nomes mais respeitados
da indústria, em 2016 introduziu sua última criação e lançou sua própria
marca de charutos premium, os já premiados La Galera.
Jochy é carismático, brincalhão, muito querido e sempre está rodeado
de amigos, boa parte deles, notáveis produtores de charutos. No início
do ano passado, passamos o dia em sua residência, na República
Dominicana, e, é claro, degustamos seus charutos o dia todo. Não havia
melhor oportunidade para conversarmos e prosseguir a série de entrevistas
publicadas no jornal da Caruso. Esperamos que vocês, leitores, apreciem.

Jochy, agradecemos imensamente por nos convidar em sua casa.

Imagina, vocês são sempre bem-vindos. Gostaria de presenteá-los com
um charuto especial, uma edição limitada ou melhor, uma edição privada,
que fiz para degustar com meus amigos aqui em casa. Podemos começar
acendendo-o e terminar a conversa quando acabarem os charutos. Mas
veja, eu tenho charutos suficientes para conversarmos a semana inteira!

Então ficaremos aqui a semana inteira… (risos). Falando sério, uma
pergunta muito comum entre os apreciadores, o que significa “La
Galera”?

La Galera é o coração de uma fábrica de charutos. É o nome do lugar
onde os charutos são produzidos, onde ficam as fileiras de torcedores que
montam o blend já estabelecido e enrolam os charutos; é onde a mágica
acontece.

Como foi começar a sua marca própria?

Bem, quando decidi criar o La Galera, fiz uma pequena análise de mercado
e percebi que ele estava muito saturado, muito competitivo e pensei, tenho
três formas de entrar no mercado: qualidade, qualidade, qualidade. Ou
seja, eu podia como fazer isso. Depois de décadas fazendo charutos, nós
já tínhamos todo o conhecimento e experiencia, então, nesse aspecto foi
tranquilo. Eu queria fazer algo bem especial, o que requer muita dedicação
e tempo. Eu buscava um charuto com sabor, força, doçura e com uma
fumada limpa, clara, que possibilitava se reconhecer todos os sabores e
aromas. O nome eu já tinha em mente porque La Galera é o coração da
fábrica. Também me dediquei a anilha. Queria que ela simbolizasse as
coisas que eu gosto, por isso ela reflete a natureza, o campo, o mar, a
fábrica e a família. La Galera é um charuto que nós, basicamente, nos
dedicamos ao blend, queremos que o público sinta o paladar e o aroma
que eu imaginei, numa experiência única.

Quando o “La Galera” foi lançado?

Em 2015 estava tudo pronto e lançamos o La Galera em 2016. Comprei
um armazém para distribuir em Miami e começamos. Minha vida mudou
muito, porque tive que começar a viajar, visitar os lojistas e interagir
mais com o público consumidor, principalmente para explicar o nosso
diferencial e o nosso charuto, e, também, degustar com eles e ver se
gostaram dos charutos, se apreciaram os sabores e aromas.

A recepção foi boa?

Sim, a recepção dos consumidores foi espetacular. Em um mercado tão
competitivo, tivemos forte crescimento ano a ano, só nos Estados Unidos
foi de 20%. A recepção foi incrível. E acima de tudo, uma recepção
mais focada no boca a boca. Foi uma imensa satisfação para nós que
os consumidores de todo o mundo perceberam o blend diferenciado e a
delicadeza do charuto. Hoje o La Galera está em 24 países, como Estados
Unidos, República Dominicana, Alemanha, Noruega, Israel, Itália,
Bulgária, recentemente, Brasil. O principal mercado continua sendo os
Estados Unidos, mas, incrivelmente, nosso segundo melhor mercado
é aqui na própria República Dominicana, o que nos diz muito, afinal,
como um país produtor e exportador de charutos premium, além da longa
tradição, o público é muito educado, sabe fumar e é bem exigente. O fato
de o La Galera atender o gosto dos dominicanos e ser muito elogiado foi
algo incrível para nós. Realmente surpreendente!

Sempre que nos encontramos te vemos junto com vários produtores.
Uma curiosidade que sempre tivemos: nesse setor, vocês são ou não
amigos?

Sim, somos muito amigos. Usualmente quando as empresas são familiares
temos uma amizade mais pessoal, de mais tempo, pois há um convívio de
longa data, quando são multinacionais, essa amizade já é mais profissional,
mas, ainda assim, isso varia muito, conhecemos pessoas que temos
uma forte empatia e logo a amizade se desenvolve. Mesmo com toda a
competição, é muito comum nos ajudarmos. Existem várias histórias de
produtores que ajudaram o outro em momentos problemáticos.

É comum os produtores darem charutos para os outros produtores
experimentarem, dizer o que acham?

É bem comum sim. Os produtores costumam trocar impressões e discutir
as características dos charutos entre si. As opiniões dos outros são bemvindas sim e levadas em consideração. Mas é claro que temos pessoas
mais próximas, pessoas mais intimas, pessoas que temos uma maior
admiração… Quando faço um charuto troco experiências e conhecimento
com muita gente. O reconhecimento dos nossos pares, dos nossos
competidores, também é motivo de uma grande satisfação pessoal.

Em 2018, numa entrevista, o jornalista do Cigar Journal disse: “Eu
não acho que seja exagero dizer que o que Sir George Martin foi
para os Beatles, Jochy Blanco foi para uma série de fabricantes de
charutos boutique”. Você poderia mencionar alguns?

Claro, algumas marcas renomadas são: La Flor Dominicana, Aging Room,
que acabou de ser o charuto número 1 da Cigar Aficionado, Matilde,
Kristoff, Pinar del Río, Señorial, Trinidad Santiago, Villiger, entre
outras. Recentemente, A.J. Fernandez e eu começamos uma parceria para
produzir na Tabacalera Palma o “San Lotano Dominicano”. Para celebrar
nossa parceria, colocamos na anilha “AJ & Jochy”.

A presença de sua família no mercado remonta às origens da
produção de charutos na República Dominicana. Qual é a história da
Tabacalera Palma?

O surgimento da Tabacalera Palma é anterior a meados do século 19. Meu
bisavô, José Manuel Blanco Lozada, mudou da Espanha para a República
Dominicana e começou a comercializar frutas tropicais e tabaco. Meu
avô, José Arnaldo Blanco I, passou a produzir apenas folhas de charutos.
Em 1925, meu pai, José Arnaldo Blanco II, fundou a Tabacalera Palma e,
em 1936, entrou com o pedido de registro industrial, tornando-se um dos
primeiros fabricantes de charutos da República Dominicana. Em 1960,
a “La Palma” só produzia charutos para o mercado local. Eu sou a 4ª
geração da minha família.

Por que você resolveu continuar com o negócio da família?

Em qualquer negócio ou profissão, o principal é a paixão que você coloca
no que faz. Para se ter uma boa vida e para ser bem-sucedido você precisa
gostar do que faz. Eu sou engenheiro civil, mas sempre fui apaixonado
por charutos. Estou envolvido com os negócios do meu pai desde que era
bem jovem. Sempre quis trabalhar com isso, sempre me encantei com
esse mundo. Assim, em 1980, iniciei uma série de mudanças, comecei a
fazer diversos tipos de charutos e conseguimos ir para além do mercado
norte-americano, passamos a exportar charutos cultivados na República
Dominicana em todo o mundo. Em 1995, mudamos a fábrica de Palma
para a zona de livre comércio de Tamboril, perto de Santiago. Mas nada
disso mudou a maneira com a qual produzimos os charutos. Para se ter um
bom charuto você precisa de paciência e tempo, pois é um procedimento
bem demorado, precisa de bons produtores, bom tabaco, boa fermentação
e bons torcedores. Todos esses processos, incluindo a qualidade da terra
e da folha, vêm de uma longa tradição. Eu ainda faço tudo da mesma
maneira que meu avô fazia.

E de onde vem essa paixão por charutos?

Eu acredito que todo mundo tem uma paixão por coisas boas da vida.
Algumas pessoas são apaixonadas por viajar, outras pelas artes, pela
música, pelos esportes, pela gastronomia e assim por diante. Algo que tire
elas da rotina, das obrigações do dia a dia e revigore seu corpo e mente.
O charuto é como uma dessas paixões mais pessoais, uma em que posso
relaxar e desfrutar os sabores e aromas que eles despertam e proporcionam.
Ele se assemelha a uma refeição diferenciada, se assemelha a um bom
vinho, que satisfazem principalmente o paladar e o olfato. Um outro motivo
é que o charuto artesanal é um produto muito especial que, basicamente,
é desfrutado em um ambiente de amigos, de diversão, de companhia, de
relacionamento. Quando se senta em um lugar para degustar um charuto, se
faz amigos, se troca experiências e charutos, independentemente do preço
deles e de quem você seja. Há uma grande variedade de personalidades
nesse meio, você encontra médicos, engenheiros, advogados, políticos,
trabalhadores, empresários… E o curioso é que todos degustam o charuto
juntos. Você pode encontrar o dono de uma empresa e o trabalhador dessa
mesma empresa, desfrutando, juntos, um bom charuto. É incrível. Isso
basicamente acontece em todo o mundo. E hoje, por exemplo, na Europa,
nos Estados Unidos, também, tem um número incrível de mulheres – não
sei se acontece a mesma coisa no Brasil –, que apreciam um bom charuto.
Não existe mais aquela coisa que charuto é só para homem. O que quero
dizer é que, quando você está curtindo o charuto e conversando com
alguém, há uma diversidade enorme. São pessoas de várias personalidades,
de diferentes condições sociais, de diferentes credos e assim por diante.
Ninguém se importa quem você é. Basicamente, você sente uma unificação
das pessoas. Isso me faz sentir bem e é um bom motivo para continuar com
o negócio da família, poder propiciar isso às pessoas.

Jochy, muito obrigado pela conversa e pela recepção.

Eu que agradeço a visita de vocês. Eu já viajei para o Brasil com minha
esposa e meus filhos. Passamos o ano novo no Rio de Janeiro, na praia,
vendo os fogos de artificio. Eu amei e sempre quis retornar para esse país
maravilhoso. Em breve, espero encontrar vocês no Brasil.

 

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