Eduardo Fernández realizou seu sonho e, nesta entrevista, compartilha um pouco de sua história – POR ANDRÉ CARUSO E ANDRE MILCTHEIN
Depois de mais de duas décadas no negócio, Eduardo Fernández Pujals se tornou um dos nomes mais importantes do mundo dos charutos premium. No seguimento agrícola, sua empresa, a Aganorsa, fez dele um dos maiores produtores de folhas da Nicarágua e seu método gerou o reconhecimento que sempre sonhou. Seus charutos são feitos da maneira mais clássica possível, tudo de forma artesanal, preservando centenas de anos de tradição.
Nosso grupo de amigos da Caruso viajou para a Nicarágua e decidimos conhecer a Aganorsa. Fomos recebidos por uma imensa família e tivemos aulas de absolutamente tudo, do cultivo, à degustaçãoe harmonização. Entre charutos, rum e excelente comida, aproveitamos a oportunidade para continuar o projeto de entrevistar os fabricantes de charutos premium. Um pouco dessa experiência partilhamos agora com nossos leitores.
Eduardo, obrigado por nos receber aqui na Aganorsa e nos conceder esta entrevista. Você poderia nos contar um pouco de como tudo começou? Meu nome é Eduardo Fernández, nasci em Havana,
Cuba. Em razão da revolução de Fidel Castro, ainda criança, minha família me enviou para os Estados Unidos. Lá me formei em administração na Wharton School of Business, uma das melhores universidades norte-americanas. Por 10 anos trabalhei em um banco internacional em Nova York. A universidade ensina você a ser profissional e trabalhar para uma multinacional, que era o que eu fazia. Porém, mesmo sendo um executivo bem remunerado não conseguia economizar. Você vive bem, mas é isso.
E o que você fez?
Eu sempre tive um espírito empreendedor e queria fazer algo novo, por conta própria. Assim, por volta dos 36 anos de idade, junto com meu irmão, abri uma rede de pizzarias na Europa, o que era muito inovador para a época. Começamos na Espanha, e como lá não havia entrega de pizza até então, tivemos sucesso e criamos uma rede com quase 300 lojas. Foram mais de 10 anos, uma experiência emocionante, que realizou muitos dos meus sonhos. Tivemos sorte abrimos o capital da empresa no mercado de ações na Europa. Foi um negócio de muito sucesso, e ainda é.
A partir de então você deixou o mundo financeiro e foi fazer o que gostava?
Eu sempre procurei duas coisas na vida: liberdade e liberdade. Liberdade para fazer o que quero e liberdade para ser independente. A partir da abertura de capital eu poderia ter me aposentado, mas pensei: “o que farei o resto da minha vida?”. Estava com 48 anos, morava em Londres, me considerava jovem, mas já estava resolvido financeiramente. Eu sempre gostei de agricultura e do trabalho com a terra. Comecei a buscar projetos agrícolas de cabeça aberta e fui acolhido pela Nicarágua, onde as pessoas eram muito amigáveis e abertas a investimentos externos. Tudo era novo para mim, que vinha do mundo financeiro. Eu comecei a financiar plantações e a comprar as folhas.
Como foi sua transição para os charutos?
Eu logo percebi para se ter sucesso no mundo dos charutos você precisa estar verticalmente integrado, tem que estar totalmente envolvido do começo ao fim, porque é um negócio muito orientado pelos detalhes, muito orientado para a qualidade e você tem que controlar todo o processo. Eu tinha que conhecer meu tabaco, saber a qualidade e a origem. Então, eu parei de financiar, comprei muita terra e comecei a plantar minha própria safra. Inicialmente, era muito pequeno, porque não é possível fazer coisas em grande escala do zero. Principalmente com o tabaco, que exige muito conhecimento e atenção aos detalhes. Eu não tinha esse conhecimento, mas aprendi na vida a contratar pessoas que têm esse conhecimento.
O Don Arsenio foi um deles?
O Arsenio Ramos foi um grande amigo, trabalhamos juntos por 18 anos, ele foi uma das fundações do nosso projeto, mas veio a falecer em 2018, com 83 anos de idade. Ele costumava dizer que: “O charuto exige carinho e amor, desde a semente, a muda … até as cinzas”. Eu já o conhecia de nome, ele era uma lenda. Eu estava começando e tinha muito a apreender, então, eu pensei: “Tenho que voltar para Cuba, especificamente, voltar para Pinar del Rio”, pois, lá, todo mundo trabalha com tabaco, o pai, o avô, o bisavô. As famílias crescem juntas e trabalham na mesma fazenda. Na agricultura, onde alguém plantou algo, teve êxito e os sucessores continuam repetindo os velhos fazendeiros, é porque a terra é boa para aquele cultivo específico. Evidentemente, lá se têm um grande respeito e amor pelo que eu estava procurando. E assim acabei conhecendo o Arsenio Ramos e trazendo-o para a Nicarágua, como Master Blender da Aganorsa, juntamente com outros 15 cubanos, pessoas com mais de 60 anos, com muitíssimo conhecimento. Por mais de cem anos, seus ancestrais fizeram a mesma coisa na mesma terra. O respeito pela folha de charuto está no sangue, na cultura.
Hoje em dia todo mundo fala em folha da Aganorsa. O que significa?
Aganorsa nada mais é que uma abreviação, uma abreviação que inventei para o nome da minha companhia, a Agricola Norteña S.A. É um pouco ousado e talvez presunçoso da minha parte, mas inventei esse nome porque, pelo menos para mim, minha folha é especial, pois é cultivada e preparada do jeito antigo, da maneira clássica. Isso quer dizer que devemos conversar com as folhas. Elas falam com você e você tem que responder, com todos os processos de cultivo, fermentação, maturação… Essa conversa exige tempo, calma e muita paciência, não dá para apressar. Com o charuto, qualquer coisa que você faz de maneira incorreta, na hora errada, você perde qualidade e não a recupera. Por isso damos este tempo e temos muito cuidado, fazendo o processo tradicional e centenário de forma artesanal. Um charuto leva pelo menos dois anos para ser feito e precisa ser tocado por mãos humanas mais de 300 vezes. Além da terra, região e clima, é a forma como fazemos as coisas. Por isso nossas folhas têm sabores e aromas tão característicos. Há muito trabalho envolvido.
Depois de 20 anos, a Aganorsa chegou onde você queria?
Hoje em dia muitas pessoas me dizem: “Não consigo encontrar uma folha dessa qualidade em lugar nenhum”. Isso decorre da minha paixão e visão do negócio. Minha visão é fazer as coisas da maneira antiga, como era feita no passado e como é feita pelos produtores de altíssima qualidade. A cultura da nossa empresa, é fazer as coisas da maneira que devem ser feitas, somos a “velha guarda”, a “escola antiga”. Sou muito tradicional nesse aspecto. E é por isso que nossas folhas são tão excepcionais. Para nós, aroma e sabor são extremamente importantes, porque, no final, queremos um charuto agradável, gostoso, balanceado, que preencha seu paladar e olfato, estimule seus sentidos. Essa é a nossa missão, nosso objetivo na vida.
Como você enxerga essa competição?
Você sabe qual é a maior competição? Você com você mesmo. Meu maior competidor sou eu mesmo. Não me preocupo com os outros, não sei o que estão fazendo, nem me importo. É preciso criar uma solução, sentir o mercado, percebê-lo e então fazer o melhor produto, prestar o melhor serviço e assim por diante. Curiosamente, à medida em que o mundo se desenvolve, aumenta a possibilidade de ser ou de fazer algo novo. Esse é o diferencial do ser humano, a parte inovadora, criativa. Hoje em dia, nos negócios, se dá o nome de “startups”… Muita gente nova, criativa e começando… Antes não havia tanto. Eram poucas startups. Acho que vou tentar investir em uma (risos).
Você pode dizer para quais empresas você vende sua folha atualmente?
Sim. Vendemos para a Padrón, Fuentes, Drew State, Altadis… e, também, para pequenos produtores, porque gosto de dar oportunidades para pessoas que vêm de lugar nenhum, mas que, por sua competência, se tornarão grandes. Em nossa fábrica produzimos para terceiros, como Warped, Illusione, HVC, Viaje, Sindicato, Foundation Cigars, que faz El Güegüense, The Tabernacle, e começamos fazer algumas séries da Gurkha. Eu fico muito contente que essas marcas usem e gostem da nossa folha. Isso mostra que consegui alcançar uma qualidade excepcional. Para mim, é um senso de orgulho, de realização. E temos as nossas, como, por exemplo, JFR, Lunatic, Aganorsa Leaf, Guardian of the Farm.
Como surgiu o “Guardian of The Farm”?
Nós temos uma espécie de cachorro para cuidar de todas as nossas fazendas. Não é porque eles vão atacar ou coisa parecida, eles jamais atacariam uma pessoa. Mas é um tipo de cão que as pessoas respeitam. São dóceis, mas sabem se impor, se portar e latir quando for necessário, fazendo a guarda das nossas terras e zelando por nossas folhas. Eles são os “Guardiões da Fazenda”. Meu filho Max e seu amigo Kyle estão na casa dos 30 anos e sempre ficam junto dos cachorros, seja nos momentos de lazer ou de trabalho. São fanáticos por eles e por isso os dois decidiram dar esse nome, ele foi criado, em gratidão, em reconhecimento à dedicação e ao zelo dos cães que cuidam de nossas fazendas. É algo muito pessoal, da nossa família, demos o nome por e para nós mesmos. Foi assim que começou o “Guardian of The Farm”. E eu fiquei muitíssimo contente que as pessoas gostaram do blend, dos sabores e aromas, e, também, com o reconhecimento e os elogios que recebemos.
Você poderia contar um pouco sobre você?
Essa é a pergunta difícil… Estou com 69 anos… Os anos vão passando. Tenho quatro filhos, dois meninos e duas meninas, que estão entre 20 e 30 anos. Mandei todos para universidades excelentes. Como minha mãe e meu pai, a revolução tirou tudo de mim, mas não tirou minha família, não tirou o ensino que eles me deram – a educação nos Estados Unidos é responsável por grande parte do meu sucesso. Para mim, isso é muito importante e é por isso que a chamo meus filhos de minha nova safra. Sou casado há 35 anos e só agora acabei de ter meu primeiro neto – um pouco tarde, eu diria.
O que você gosta de fazer nos seus momentos livres?
Meu maior prazer é o trabalho. Sou o que se chama de workaholic, porque estou a todo momento pensando em negócios, criando, inventando, pensando, sonhando. Meu pai sempre me disse que eu era o sonhador da família. Então esse é o meu maior prazer e passo muito tempo no trabalho. Fora isso… bem, eu nasci em uma ilha, então para mim o mar é muito importante. Gosto muito de velejar. Em diferentes partes do mundo aluguei barcos e fui velejar. Também gosto muito de ver, sentir, cheirar o mar. Certa vez, quando morei na Espanha, em Madrid, estava a apenas três horas e meia do mar e, pela primeira vez na vida me senti um pouco sufocado. Percebi que era a falta do mar e que 3h30 era longe demais.