Em passagem relâmpago por São Paulo, a espanhola Manuela Romeralo conduziu uma exclusiva degustação de charutos e bebidas no Caruso Lounge
POR CÍNTIA BERTOLINO
Epicure sommelière, diretora dos restaurantes do premiado chef espanhol Quique Dacosta, em Valência, eleita a melhor sommelière de Habanos do mundo em 2006, em Cuba, Manuela Romeralo é o tipo de pessoa com quem se pode conversar por horas a fio, sem que ela jamais canse o interlocutor. Nesta entrevista ela aponta as melhores combinações e conta como começou sua paixão por charutos. “Gosto muito dos vinhos, mas meu entendimento com o tabaco e os destilados se tornou mais profundo.”
Como surgiu seu interesse por charutos?
Em 1999 meu chefe me pediu para montar uma carta de charutos para o restaurante. Na época era responsável pela carta de vinhos. Na Espanha, quem cuida dos vinhos cuida também das cartas de charutos, de queijos, de cafés. Quando ele me fez esse pedido, não sabia nada de charutos. Sequer fumava cigarros.
E como foi esse primeiro contato?
Fui a uma cava de charutos conhecer as variedades e comecei a estudar o assunto. Desde o primeiro livro, o assunto me fascinou. E um dia, após ler e pesquisar bastante, fui a uma tabacaria e pedi que me recomendassem um puro. Gostei muito. Adorei o sabor, o aroma – ali começou um amor incondicional e, desde esse dia, não deixei mais de fumar charutos.
Sua experiência prévia como sommelière de vinhos ajudou a identificar sabores e aromas dos charutos?
Realmente há um paralelismo entre produtos. Quando se tem experiência com degustação de vinhos é muito fácil saber degustar outros itens. Há quatro sabores básicos presentes na maior parte das coisas: doce, salgado, ácido e amargo. Mas, para degustar qualquer coisa é preciso treinar, criar uma memória olfativa, uma memória gustativa. Cada produto tem sua particularidade, seu vocabulário específico.
Por que uísque e conhaque são as harmonizações clássicas para acompanhar o charuto?
Normalmente porque bebidas como uísque, conhaque, Armagnac, vinho do Porto passaram por barricas de carvalho ou castanheiro. A madeira aumenta a complexidade de sabor dessas bebidas.
Que bebidas não funcionam?
Bebidas gasosas, com muito gás carbônico, geladas, não harmonizam bem. Bebidas brancas, sem passagem por madeira, como cachaça e grapa, são difíceis de harmonizar porque não há elos com os charutos. Já uma cachaça envelhecida é outra coisa. Pode funcionar muito bem.
Que bebida não combina de jeito nenhum com charutos?
Para mim, gim-tônica. É uma bebida com tudo de ruim para o charuto. Tem limão, que não harmoniza com tabaco, tem gim, uma bebida que não passa por madeira, com cítricos, e água tônica, que tem gás. Além de se tomar gelado – o que anestesia as papilas gustativas. Não funciona com charuto. Mas, claro, é preciso respeitar os fumadores que gostam de tomar gim-tônica com seus puros.
Qual foi a combinação bebida-charuto mais surpreendente?
Quando fiz a degustação de Louis XIII com Cohibas, além de outros tipos de charutos, impressionou-me a percepção de Louis XIII com o Esplendidos, de Cohiba. Fiquei impressionada com a comunhão perfeita. Quando faço degustações tenho o hábito de anotar porcentagens de harmonia. Algumas não precisam ser 100%. Há harmonias de 80%, por exemplo, que são ótimas. Agora, há harmonias que são 100%. E quando isso acontece é algo mágico, uma maravilha!
Quais os estilos de cerveja mais apropriados para combinar com charutos?
As cervejas escuras, de alta fermentação, com pouco gás carbônico e que não estejam frias. Cervejas escuras costumam ter notas de café, chocolate, que “conversam” com charutos. O malte tostado da cerveja tem muito em comum com os aromas dos frutos secos e tostados dos charutos. Outros tipos de cervejas que podem combinar são as barley wines, as trapistas, cervejas mais velhas.
Qual o erro mais comum que um fumador iniciante comete?
Primeiro sugeriria que o iniciante siga uma recomendação e comece com uma marca que tenha tabaco mais delicado para não ter uma experiência ruim, como os dominicanos e os baianos, que são mais leves. Além da marca, o formato é importante. No início é preciso optar pelos charutos menores, de menor tempo. Cansou? Deixe o charuto. Não se obrigue a terminá-lo.
O que falta melhorar na produção brasileira?
Acho que precisam definir qual o caráter que desejam imprimir em seus charutos. Querem que tenham mais sabor, sejam potentes? É preciso estudar onde cultivam as folhas, porque o solo imprime muita personalidade. Saber como colher, fermentar. Ao sabor de Cuba não se chega. É inimitável. Trata-se de uma questão de terroir.
Como está o consumo de charutos na Espanha?
Está crescendo. Até porque o consumo de cigarros está caindo. A questão é encontrar lugares onde é possível fumar. Em restaurantes não se pode. Em Valência há restaurantes e bares com terraços ao ar livre.
E a produção no mundo cresce?
Estão surgindo novas bitolas. Só não vejo muito sentido nessa avalanche de bitolas novas. É demais e acho que facilita falsificações.
O ÚLTIMO TERÇO DO CHARUTO
POR ANDRÉ CARUSO
Você prefere fumar sozinha ou acompanhada?
Desfruto muito quando compartilho impressões com outras pessoas. Comentar as características do charuto é muito divertido. Também gosto muito de fumar sozinha quando estou em casa, sozinha, preparando um curso. Gosto muito de ler e fumar. Adoro ler.
A produção cubana vai conseguir suprir a demanda do mercado americano?
O mercado americano está aquecido hoje porque eles passaram muito tempo em uma “lei seca”. Só espero que esse boom não traga uma influência grande no preço do tabaco. Os americanos estão acostumados a tabacos mais suaves que os cubanos.
Quais os três charutos que você recomenda para ter sempre ao alcance?
Montecristo número 2. Também gosto muito das marcas Ramon Allones Special Select e Trinidad Vigia.
Quais são seus hobbies?
Gosto muito de viajar. No meu tempo livre, costumo caminhar, todos os dias, de 8 a 9 quilômetros. Gosto de ouvir música e leio muitíssimo, não só livros relacionados ao trabalho. Adoro a tranquilidade do mar e o sol me revitaliza.
Onde é possível fumar um bom puro na Espanha?
Na Espanha não temos muitos lugares como este. Em Valência há hotéis com lindos terraços, com vista do mar, onde se pode fumar. Em Madri há a Casa America. Ficaria encantada em ter um lugar como o Caruso Lounge em Valencia: bonito, com bebidas e charutos tão bons e pessoas que conhecem o assunto. Adoraria trabalhar em um lugar assim.
O que você achou do Caruso Lounge?
Desde que vi o projeto fiquei encantada. No endereço anterior, pequeno, gostei muito da qualidade dos produtos. Nunca havia visto tanta variedade de cubanos reunidos. [Olhando para André] Gostei muito do conhecimento que você tem dos puros. Ele sabe muitíssimo. Sabe tudo das bitolas novas. Há um grande profissional no Caruso Lounge. Vi o novo espaço em obras, mas já pede imaginar que ficaria incrível. Para mim, é um lugar dos sonhos, mágico. Além disso, as pessoas que estão aqui têm paixão. Um lugar bonito, mas sem bons profissionais tem os dias contados. Quem faz um lugar são as pessoas.
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