Uma Pequena Homenagem
José Padrón nasceu em 1926, na região de Pinar del Río, Cuba. Junto com seu avô Damaso e seu pai Francisco, dedicava-se ao plantio e o cultivo de tabaco para a produção de charutos na fábricas de Havana. Desde a infância teve uma educação familiar vocacionada à disciplina, responsabilidade e valores; princípios que carregou por toda a sua vida. Teve, ademais, educação formal na Academia Minerva e na Escola Técnica Industrial “José B. Alemán”.
Foi administrar uma mina em 1952, contudo, em 1956 a ditadura de Fulgêncio Batista entrou em seu período mais duro e, como toda a juventude da época, participou da revolução cubana. Encontrou-se com Fidel Castro e Che Guevara para discutir temas afetos aos trabalhadores da mina e logo percebeu que os ideais de democracia e justiça foram subvertidos. Em 1961 era hora de deixar sua terra natal, notadamente diante da nacionalização das terras de sua família.
Partiu de Cuba com destino à Espanha, onde chegou sem nenhum centavo. Diante da dificuldade de conseguir trabalho partiu para Nova York e, em 1962, se estabeleceu em Miami.
O Little Hammer e a Fundação da Padrón Cigars
Em sua autobiografia “Memorable Moments in My Life – A True American Story”, José Padrón narrou a emocionante o início da realização do sonho de sua vida:
Em 1962, eu cheguei em Miami, uma cidade desconhecida em uma terra estrangeira. Eu tive que começar do zero. No início, eu recebia US$ 60 mensais, como ajuda do governo aos refugiados de Cuba. Eu estava com trinta e seis anos de idade, forte e com boa saúde. Toda vez que eu descontava esse cheque, sentia-me um fardo para o país que havia me recebido. Durante muitos dias, procurei um emprego e não o encontrei. Todas as noites, ia para casa e pensava no futuro. Eu estava determinado a fazer algo para poder sustentar minha família.
Um dia, Raul Fernandez, um amigo que trabalhava no Gabinete de Refugiados de Cuba, perguntou se eu tinha alguma habilidade em carpintaria. Eu disse que tinha. Ele me deu um presente – um pequeno martelo – que ele me pediu para fazer bom uso. O martelo me fez sentir que eu tinha a ferramenta necessária para me tornar autossuficiente e não depender de uma ajuda do governo. Durante o dia eu trabalhava como jardineiro. À noite, eu fazia carpintaria com o martelo.
Meu sonho era economizar dinheiro suficiente para abrir uma fábrica para fazer excelentes charutos, como os que costumávamos fumar em Cuba. Através de muito sacrifício e trabalho duro, consegui economizar US$ 600 – dinheiro que fiz trabalhando com o martelo. Com isso, realizei meu sonho e fundei a Padrón Cigars em 1964.
Eu ainda tenho o martelo como um lembrete de como tudo começou… Mais de cinquenta anos depois… O martelo ainda está aqui e também a Padrón Cigars, a marca que o martelo ajudou a construir.
Com o Little Hammer (“Pequeno Martelo”) conseguiu as economias necessárias para alugar uma loja, comprar matéria prima e obter as licenças estaduais para fundar, em 1964, a Padrón Cigars – até hoje situada na West Flagler Street com a Southwest 16th Avenue.
Rumo a Estelí
Em 1970 não conseguia mais suprir a demanda dos seus clientes levando a decisão de José Padrón de transferir sua fábrica de charutos para Estelí, Nicarágua, cidade com a qual estabeleceu uma estreita e forte ligação por toda sua vida.
Logo em seguida, contudo, outra revolução estava à sua frente. Com o avanço dos sandinistas contra o ditador Anastásio Somoza, José Padrón, já calejado pela revolução cubana, traçou uma estratégia de saída, abrindo uma fábrica na cidade de Danlí, Honduras, a 83 Km de Estelí pela estrada pan-americana, para a qual, com a ajuda da família, amigos e funcionários transportou o máximo de folhas e charutos enquanto a lei permitia, reduzindo a produção para menos de um terço.
Não foi sem razão. Em 1978, no auge da guerra civil seu depósito de tabaco e sua fábrica de charutos em Estelí foram queimados até o chão. Com imensa ajuda da população da cidade a reconstrução começou imediatamente e um mês depois recomeçaram a produção.
Libertação de Prisioneiros Políticos em Cuba
Tão logo recomeçou sua produção o governo norte-americano de Jimmy Carter pediu que ele negociasse a libertação de prisioneiros políticos e, pela primeira vez desde seu exílio, retornou a Cuba para uma missão humanitária. Numa das negociações Fidel Castro trouxe Cohibas e José Padrón trouxe os seus próprios charutos. Fidel pediu os charutos de José e começou a fumar um Padrón.
O momento foi capturado por uma jornalista que publicou a fotografia no Miami News rendendo imensa controvérsia, pois a comunidade anti-Castro de Miami ao invés de vê-lo como um herói que conseguiu libertar mais de 3.600 prisioneiros, o viu como traidor por negociar com o regime ditatorial. Como consequência, entre 1979 e 1983 sua fábrica em Miami foi alvo de atentados a bomba que drasticamente a danificaram.
Em resposta, Padrón publicou a seguinte citação de José Martí, poeta do século 19 e lutador pela independência de Cuba, no mural da fábrica:
“Os homens são divididos em dois grupos – aqueles que amam e constroem, e aqueles que odeiam e destroem.”
O Embargo Comercial à Nicarágua
Com a vitória do sandinista Daniel Ortega nas eleições, os negócios foram novamente interrompidos até que José Padrón se reunisse com comandantes locais, voltando a operar somente após ter garantias que não haveria interferência.
Porém, em 1985, o governo Reagan impôs um embargo comercial à Nicarágua. Nos 5 dias anteriores à entrada em vigor do embargo, José Padrón transferiu a produção para Honduras e o máximo de tabaco e charutos possíveis para Tampa. Ainda o governo norte-americano lhe concedeu uma extensão para continuar a importar os charutos por mais 6 meses, de modo que o remanescente permaneceu na Nicarágua, sendo a operação manejada à distância por José Padrón e a fábrica integralmente operada por seus funcionários de extrema confiança.
O embargo terminou em 1990, quando os sandinistas perderam as eleições e o embargo foi finalmente suspenso e a família Padrón teve que reviver todo o processo de fabricação de charutos, o que levaria algum tempo até que tudo estivesse normal.
Tudo normal até uma tentativa de sequestro em Honduras, a passagem de um furacão na Nicarágua que destruiu novamente sua fábrica, o retorno de Daniel Ortega ao poder em 2007 e inúmeras narrativas a serem contadas oportunamente.
Padrón Cigars: Sinônimo de Charuto Artesanal e Prestígio
A Padrón Cigar mantém uma operação totalmente familiar, controlada e limitada, pois todas as folhas de todas as linhas são envelhecidas no mínimo por 2 anos e meio, como é o caso da Thousand Series, a linha mais acessível, de sabor médio a encorpado. A 1964 Anniversary Series foi lançada para comemorar os 30 anos da primeira fábrica e possui um sabor bem forte e bem encorpado, feita com folhas envelhecidas por 4 anos. A Serie 1926 comemora o 75º aniversário de José Padrón, sendo uma linha igualmente encorpada de maior complexidade, utilizando-se folhas envelhecidas por 5 anos o que impõe uma produção anual limitada a 100.000 charutos. Dedicada ao avo de José, a série Damaso é a primeira caracterizada com um perfil de sabor mais suave. Por fim, a Family Reserve, série limitadíssima, lançada 1 vez por ano em uma única bitola, com folhas envelhecidas no mínimo por 10 anos.
Seu pequeno martelo é indissociável da marca como um lembrete de como tudo começou e como construiu um conceito distinto e especial para produzir charutos artesanais, exclusivos e de altíssima qualidade para sustentar sua família, feitos até hoje como a mesma tradição de seus antepassados.
Desde que as revistas passaram a ranquear charutos na década de noventa, as linhas da Padrón sempre estiveram nos três primeiros lugares e receberam inúmeros prêmios e altas classificações de muitos críticos de charutos respeitados, conhecedores e aficionados. Não raro, os charutos têm nota mínima de 90 pontos e acumulam um incomparável ranking de notas superiores a 95 pontos nas prestigiadas Cigar Aficionado, Cigar Journal, Cigar Insider e Robb Report.
José Orlando Padrón, 1926-2017
Esta edição do Caruso Journal não poderia deixar de homenagear o lendário José Orlando Padrón que veio a falecer há um ano atrás, em 05 de dezembro de 2017, aos 91 anos de idade.
O que dizer de alguém que para realizar seu sonho de produzir um dos melhores charutos do mundo escapou da revolução cubana, recomeçou sua vida em Miami, fundando uma fábrica com um pequeno martelo que lhe foi dado por um amigo, negociou a libertação de prisioneiros políticos do regime ditatorial de Fidel, rendendo-lhe atentados à bomba em sua fábrica de Miami, superou a revolução sandinista na Nicarágua, escapou de uma tentativa de sequestro em Honduras, sofreu a imposição do embargo norte-americano que impedia a importação de seus charutos e até a passagem de um devastador furacão na fábrica na Nicarágua?
Um homem trabalhador, dedicado e incansável, totalmente compromissado com os charutos artesanais que foram a paixão de sua vida. Suas virtudes são reconhecidas por todos que tiveram o prazer de conviver com José Padrón. Seus familiares, amigos e funcionários enumeram diversas delas, como perseverança, integridade, lealdade e ternura.
Um dos maiores legados de José Padrón é a Padrón Family Foundation, uma organização não lucrativa fundada em 2012 para prover recursos destinados à educação, como a Escuela Marista Jose O. Padrón para 300 estudantes, além do financiamento de assistência médica, notadamente para a população de Estelí, que desde o início acolheu calorosamente José Padrón. Esteja bem.
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