Henke Kelner


Andre Milchteim, Henke Kelner e Andre Caruso na Tabadom Holding, Inc., produtora dos charutos Davidoff (Foto: Acervo Pessoal)

O homem por trás da Davidoff

Por André Caruso e Andre Milchteim

Tivemos o privilégio de sermos calorosamente acolhidos na Tabadom Holding, Inc., a empresa responsável pela produção dos Davidoff desde 1991, por dois dias inteiros. Logo que chegamos, fomos recebidos por Austin Dylan, presidente Davidoff of Geneva USA, Hamlet Espinal, diretor general da Tabadom, Klaas Kelner, embaixador da marca, e Pedro Vargas, diretor Latam. Depois de um bate papo, fomos convidados a almoçar com todo o time da Davidoff na própria fábrica.

Eis que Hendrik “Henke” Kelner entra na sala com alguns amigos para participar de nosso almoço. Henke é uma lenda viva. Fundou a Tabadom e criou inúmeros Davidoff’s que acompanharam nossas vidas. Ele costuma dizer que a única maneira de fazer charutos de qualidade é ter controle durante todo o processo – desde as sementes até a embalagem. Sempre cordial e com um sorriso acolhedor, nos contou sobre sua família, a origem da marca, sua história e, evidentemente, charutos.

Após o almoço, todos voltaram a trabalhar, mas nós permanecemos com ele. Dissemos que nunca havíamos provado um Davidoff cubano; sem pestanejar, ele foi a sua sala e nos trouxe um raríssimo Davidoff Château Haut Brion cerca de 35 anos envelhecido, que acendemos imediatamente para degustar com ele. Emocionados, perguntamos se poderia nos conceder uma entrevista para o Jornal da Caruso. E assim passamos agradavelmente nossa tarde.
No dia seguinte, conhecemos toda a fábrica e as plantações e, também, Eládio Diaz, o master blender e responsável pela produção, mas essa história ficará para uma outra oportunidade…

Agora dividimos a entrevista de Henke com nossos leitores.

Henke, muito obrigado por nos receber e pelo Davidoff Château. Você poderia nos contar o início de sua carreira na República Dominicana?

Sejam bem-vindos. Minha família, os Kelner, são de origem holandesa. Eram quatro irmãos, que, em 1925, vieram muito jovens para a América trabalhar com tabaco, meu pai Klaas Pieter e meu tio Johannes se estabeleceram na República Dominicana e os outros dois Hendrik e Herman, inicialmente, em Salvador, na Bahia, pois o Brasil produz um excelente tabaco, e depois mundo afora. Todos os filhos continuaram a trabalhar nesse setor… resultado, os Kelner são uma família nada criativa, todos têm a mesma atividade: trabalham com tabaco. Meu pai queria que eu seguisse uma carreira universitária e eu fui estudar engenharia industrial, mas, logo que me formei, ele faleceu e eu retornei à tradição da família. Eu trabalho há cerca de 50 anos com tabaco e gostaria que meus filhos continuassem nossa tradição.

Como surgiu a Tabadom?

Mesmo trabalhando com tabaco, eu ainda queria fazer algo diferente, então, decidi trabalhar somente com charutos e não com a matéria prima. Eu fui o primeiro que se dedicou apenas aos charutos. Assim, no ano de 1984, constitui uma pequena fábrica, com apenas seis ajudantes, com a ideia de não ter a minha marca, nem ter que fazer marketing e distribuição, meu foco sempre foi o charuto e a qualidade. Em pouco tempo eu estava fazendo 2,5 milhões de unidades e forneceria para outras marcas (“private labels”) e já tinha 60 funcionários. Esse é o início da Tabadom, que significa Tabacos Dominicanos.

Henke ensinando sobre o Davidoff Château Haut Brion, 35 anos envelhecido, de sua coleção privada (Foto: Acervo Pessoal)

E a Davidoff?

Nossa relação com a Davidoff decorreu de basicamente 3 fatores. O primeiro é que, no final da década de oitenta, Cuba estava num período difícil e já não produzia charutos com a mesma qualidade de antigamente, o que se agravou com o desaparecimento da União Soviética. Então Zino Davidoff e o Dr. Schneider queriam sair de lá e começaram a procurar outros lugares que conseguissem fornecer charutos com o padrão de qualidade que eles haviam estabelecido. Nessa época, a República Dominicana era o único país com essa capacidade e já produzia para diversas marcas multinacionais de prestígio. O segundo fator foi a discussão com a Cubatabaco. Eles disseram: “Nós somos os reis do mundo dos charutos e não temos nenhum envolvimento na distribuição, queremos uma parte do negócio” e Dr. Schneider respondeu: “Na Davidoff vocês não terão nenhuma participação”. Já dá para imaginar o que aconteceu. Por fim, o terceiro fator foi que Oettinger era responsável pela distribuição dos Davidoff cubanos na Europa, mas não tinha nenhuma experiência na produção de charutos. Assim, era lógico que houvesse um relacionamento entre uma marca de renome, uma distribuidora internacional e uma fábrica, que não tinha marca própria, não tinha distribuição e que cuidava apenas a qualidade dos charutos. Em 1990, depois de um ano de negociação, começamos a produzir os Davidoff e fomos para 5 milhões de unidades. Em 1998, eram cerca de 18 milhões de unidades.

O que você espera de uma pessoa quando degusta seus charutos?

Eu digo que um charuto Davidoff é um amigo. É um amigo leal, um amigo simpático, que sempre te acompanha, que nunca falha com você, um amigo consistente e que, antes de acender, você já conhece o sabor e o aroma e sabe o prazer que ele lhe dará. E quando você tem um amigo como Davidoff, tem um amigo no mundo inteiro, porque você pode ir para a China e não conhecer ninguém, mas se você for a uma loja que vende Davidoff irá encontrar o mesmo amigo, que irá te acompanhar e proporcionar ótimos momentos e lembranças. O Davidoff é um companheiro consistente que nunca vai lhe falhar. Eu digo que não produzo charutos, eu produzo amigos para enviar ao mundo, para fazer um mundo… assim eu espero… um mundo mais feliz.

O que você pensa quando faz os blends?

O escritório de Henke é uma verdadeira biblioteca de charutos e história (Foto: Acervo Pessoal)

Você sabe que as pessoas não têm apenas um amigo. Você tem amigos de acordo com seus hobbies, sua cultura e para cada momento: tem um amigo para ir jantar, um para beber, um para jogar golfe, um para falar de política e assim por diante. Então é por isso que fazemos amigos diferentes, um para cada momento: por exemplo, numa manhã agradável, você pode preferir um Davidoff menor, mais suave, mais balanceado, que harmoniza com um café especial, mas depois de um bom jantar, você quer um amigo para competir com os sabores daquele jantar, um amigo mais forte, com sabores mais pronunciados, mais marcante, então nós fazemos os blends para que você aproveite, sozinho ou acompanhado, um amigo com diferentes características para que você tenha um para cada ocasião.

Como você conseguiu manter a mesma consistência por décadas?

Uma das coisas mais importantes é que seu amigo seja sempre o mesmo amigo, sempre se comporte da mesma maneira, que seja leal a você. E isso é muito difícil. Os charutos premium são feitos de forma artesanal e são totalmente naturais, então, qualquer variação no clima, no solo, na posição das folhas, na colheita, até a cultura de uma dada região pode causar variações nos sabores e aromas. O segredo é ter um inventário, um estoque muito grande e um envelhecimento muito cuidadoso das folhas para poder balancear o charuto, manter as mesmas proporções e características e só assim se consegue preservar os mesmos sabores, aromas, manter a qualidade e a consistência.

Qual é seu Davidoff preferido? Ou melhor, qual é seu amigo preferido?

Bem, eu tenho seis filhos e se você me perguntar qual dos seis é meu favorito, eu não me atrevo a dizer, pois poderia me trazer problemas (risos). É brincadeira… Nos charutos sempre há liberdade, escolhemos aquele nos agrada mais e isso varia com o tempo e com os momentos. Eu acho que são coincidências da vida. Eu tenho um carinho especial pelo Especial R, pois conseguimos fazer um charuto que agradou todo mundo e tem meu tamanho preferido. O Puro d’Oro também porque foi o primeiro charuto 100% dominicano. O meu favorito hoje em dia é o Yamasa. Deu muito trabalho para conseguir alcançar os sabores que queríamos. Eu demorei 14 anos para fazê-lo.

Um belo entardecer na plantação em Jicomé, República Dominicana (Foto: Oettinger Davidoff AG 2016)

Você demorou 14 anos para fazer o Davidoff Yamasa?

O Yamasa é uma história muito interessante, a única coisa ruim é que a história é um pouco longa. Veja, primeiro um master blender pensa nos sabores e aromas que o charuto deve ter e somente depois começa a selecionar as folhas com as características que podem levar a esses sabores. Eu precisava de uma capa com características bem específicas e uma fazenda perto da fábrica tinha um solo que poderia conduzir a isso. Mas a colheita não foi boa devido ao vento forte que bateu na região e acabou até derrubando a casa da fazenda. Eu pensei que era uma mensagem divina dizendo: “Henke mude de lugar que aqui não dará certo”. Então comecei a procurar outras regiões com condições climáticas diferentes, com alta umidade relativa, frequência de chuva maior e fiquei tentando fazer a capa nessas regiões por uns seis anos, mas não tive sucesso. Enfim, cheguei na região de Yamasa que tinha essas condições climáticas especiais, mas o solo era totalmente diferente, era muito mineral e perdemos umas cinco colheitas. Tivemos que acertar as redes de proteção, a fertirrigação por gotejamento… é um processo de tentativa e erro muito delicado. Depois de cinco ou seis anos de luta tivemos sucesso e conseguimos um gosto extraordinário e um aroma único. Finalmente alcançamos aquilo que queríamos.

E todo Aficionado gostou. É um charuto muito aclamado que, desde o lançamento, fez muito sucesso.

Mais importante que o sucesso foi que aprendemos ao longo desses anos… eles machucaram muito… Aprendemos que o fracasso é apenas um passo para o sucesso, você tem que esquecer a amargura do fracasso e se concentrar nas suas causas. Aprendemos que o fracasso foi um estímulo para a inovação e que você não pode ter resultados diferentes com o mesmo método. Aprendemos que o sucesso é uma questão de equipe e que o fracasso só tem uma pessoa e você não pode deixar isso te afetar. Mas o fracasso dá-lhe a humildade, o fracasso ensina que ninguém é perfeito, só Deus, cometemos erros, porque somos imperfeitos e é a humildade que nos ajuda a entender melhor a família, os colegas de trabalho e até a sua competência, porque tem que ter havido muito esforço e muito trabalho. Foi isso que aprendi em Yamasa, foram mais de seis anos de trabalho árduo, mas ele nos deu muitas riquezas, especialmente riqueza espiritual para entender e compreender as pessoas. Hoje, sem dúvida, o resultado é da equipe.

Com que bebida gosta de harmonizar?

Quando degusto de manhã gosto de harmonizar com café. Não posso beber álcool de manhã… (risos). Tudo é moderação. Mas com bebida, depende do charuto. Eu gosto do que se chama “sobreposição”, ou seja, gosto que a bebida me dê as mesmas estimulações de paladar que o charuto. Tem gente que gosta de complementação, por exemplo, se o charuto é mais amargo, a harmonização seria com uma bebida doce. Eu gosto muito do Davidoff Winston Churchill The Late Hour e ele eu harmonizo com whisky escocês single malt, preferencialmente os envelhecidos em barris de carvalho espanhol. Eu tenho notado uma boa harmonização do Davidoff Escurio com tequila, mas você irá dizer “tequila com charuto?”. Eu digo que sim, porque o spicy do tabaco mata fina do Brasil dá o mesmo tipo de estímulo. Tenho provado com rum, mas eu gosto do rum que não é muito doce, a nova moda de rum doces e caramelizados eu não gosto, prefiro os runs tradicionais. O Davidoff Nº 2, suave, com estímulo macio e nada ácido, gosto de harmonizar com vinho branco ou champanhe, porque lhe dá a mesma limpeza de paladar. Cada charuto tem seu momento, cada charuto tem seu acompanhamento e é algo muito pessoal.

O que gostaria de dizer para os brasileiros que gostam dos seus charutos?

Eu gostaria que eles desfrutassem os charutos para conhecer melhor os sabores e os aromas para ter prazer com eles. O homem é o animal que menos treina o paladar e o olfato, quase tudo que aprendemos é através da visão e audição, o que acaba condicionando nossa percepção. O charuto é uma grande oportunidade para desenvolver o seu conhecimento de paladar e olfato, que Deus colocou lá para que você possa desfrutar desses dois sentidos e aprender a não beber por beber, mas sim por prazer, a não comer por comer, mas sim para degustar. É verdade que dizem que o homem é o único animal que bebe sem estar com sede, que come sem estar com fome e que fala sem ter nada para dizer. Então, que tratem de aprender e descobrir os sabores e os aromas que Deus criou e os desfrutem!

O que você faz em seus momentos de prazer?

Eu leio bastante. Ler tem sido meu maior passatempo. Eu não jogo golfe porque aqui não há campo de golfe com luzes à noite, não pesco porque não tenho lancha (risos). Sério, meu hobbie é a leitura. Também adoro conversar com amigos. Quando vamos ao Brasil para dançar o samba?

Quando você quiser, já está convidado!

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